quarta-feira, 15 de janeiro de 2020

AS IDOSAS DA MINHA VIDA

Parte da minha infância e adolescência foi vivida ao lado de pessoas mais velhas, aliás, bem mais velhas. Esta semana comecei a lembrar delas e resolvi registrar essa  parte da minha vida aqui no blog. E fico imaginando se eu, hoje com 60 anos, tenho influenciado crianças e adolescentes, talvez até jovens para o bem. Sim, porque com simplicidade as mulheres aqui mencionadas foram exemplos fantásticos para a minha vida. Possivelmente naquela época eu nem me desse conta disso. 

Irmã Ana

Quando era adolescente tive a oportunidade de conviver com uma senhora que nasceu em 1907. O nome dela era Ana dos Santos, tia do marido de minha irmã, Lucas dos Santos. Naquele tempo ela já era bem idosa, mas tinha uma firmeza de poucos. Nós, os vizinhos, a chamávamos de ir. Ana. Ela era costureira fazia shortes e calcinhas de tecido usando aquelas máquinas de pedal, mas sua especialidade eram as colchas de retalhos. Cantava no Coral da  Assembléia de Deus do Parque Império e tinha uma vitalidade fora de série. Ia a igreja pelo menos três vezds por semana e para chegar lá caminhava talvez uns quatro quilômetros de ida e outro tanto de volta. Ela me ensinou a fazer arroz, quando minha mãe foi hospitalizada e eu tive que ir pro fogão cozinhar pra família. Na ocasião eu tinha uns nove anos.  Não me lembro de ouvir ir. Ana reclamar de uma dor na unha que fosse. Se a pressão era alta, não sabia, se tinha diábetes, eu creio que não, também desconhecia. Neste período ela estava mais ou menos com 65 anos. Depois de algum tempo ela foi morar com a filha, ainda visitei algumas vezes e ela continuava muito autônoma, morando no espacinho dela. Faleceu perto dos 105 anos, ai já não tinha mais muito contato. Mas foi uma mulher resistente ao tempo e às dificuldades da vida. No linguajar de hoje eu diria que era uma pessoa com muita resiliência. 

Irmã Alice

Também conheci uma outra senhora, um pouco mais jovem, que em 2020 completará 101 anos. Com esta não tive uma convivência tão próxima, mas é também uma mulher muito forte e resistente. Enviuvou muito cedo e pra completar a pensão deixada pelo marido também trabalhava como costureira. Recentemente estive com ela e demos boas gargalhadas quando ela me contou que eu queria aconselhá-la sobre a vida sentimental da filha. A moça gostava de um rapaz e ela não queria o relacionamento e eu vivia a dizer pra ela deixar os dois namorarem e que ela não tinha nada que interferir. Pensa se tem lucidez? Ela venceu, porque apesar no namoro ter acontecido, não deu certo e a moça casou-se com outro. Mas o legal mesmo é que ela se chama Alice como eu. E para os 100 anos está muito bem, apesar de alguns percalços causados pelo tempo. Em abril, se Deus quiser ser´hora de virar a folhinha para 101. Deus a abençoe ir. Alice, mantendo a sua lucidez.

Esta é a ir. Alice no auge dos seu centenário (foto atual)
Irmã  Emília

Outra idosa que teve influência na minha vida foi a Emília. Nunca soube a idade exata dela. Esta não era sozinha, tinha um marido, mas penso que seria mais feliz se não o tivesse. Definitivamente ele não era um cara legal. Mas quando ele faleceu aos 76 anos, ela sofreu muito e sua vida não foi mais a mesma.  Pois é, ir. Emília também era evangélica e foi responsável pela conversão de minha mãe. Na verdade, acho que ela era a melhor amiga de minha mãe. Não conversava comigo como a irmã Ana, mas me tratava bem e quando era preciso até me alimentava. Aplicava as injeções mais doidas da minha vida, uma tal de Ozonil Infantil.  Quando o líquido entrava na carne saia rasgando, pra ajudar eela também tinha uma mão bem pesada. Tinha prática, mas  sempre ficava nervosa. Naquele tempo as seringas eram ferventadas. Ela tinha o kit. A gente só tinha mesmo que comprar as agulhas. Meu irmão mais novo, o Ananias, sofria mais, porque ele tinha bronquite e vivia tomando aquela coisa. Eu era só quando ficava gripada. Quem receitava? Minha mãe mesmo, ou o seu Eri da Farmácia, porque nós não íamos ao médico. Mas era o melhor que tínhamos e agradeço a Deus pelas agulhadas.  Eu prestava serviços para a ir. Emília. Areava suas panelas de vez em quando, com palha de aço, nesse tempo a prática de arear com areia já tinha ficado para trás, ainda bem. Acho que ela não tinha muita força nas maõs e braços e as panelas de alumínio eram todas embaçadas (sem brilho). E eu  as deixava como espelho. Também ia na peixaria para comprar peixe, lá na casa dela comiam mais peixe que carne. Os favoritos eram xaréu e xarelete, às vezes ela pedia uma tainha e dificilmente  comprava sardinha. Também comprava gás pra ela. Morávamos mais ou menos próximo a duas ou três envasilhadoras de gás de cozinha. Não, não era trabalho escravo, sempre tinha uma recompensa, nem que fosse o troco da compra. Ela também fazia deliciosas cocadas e eu vendia e comia, é claro. Irmã Emília tinha uma preocupação enorme conosco e era a nossa maior dedo duro. Se meus irmãos ou eu pisássemos na bola, e ela soubesse, não tinha dúvidas, corria e contava tudo pra minha mãe. Mas era visando o nosso bem. Ao que me parece  nunca teve filhos. Socorreu a nossa família nas horas da necessidade e olha que não foram poucas. Uma mulher destemida, uma seguidora de Cristo incontestável. Faleceu aos 84 anos e assim como  a irmã Ana, também fazia colchas de retalhos. Muitas vezes fui com ela em um lixão onde a Demillus despejava restos de material para pegar retalhos, com estes ela produzia tapetes, que eu mesma ajudava  a vender na vizinhança.

No centro ir. Emília, um registro para mim inédito, junto com Aldecira e D. Anna, minha mãe
Irmã Arinda

Tem outras pessoas, mas acho que não dá para falar de todas. Vou fazer aqui uma pequena anotação sobre a irmã Arinda. Não sei quase nada sobre ela. Era amiga da irmã Emília e também fez amizade com a minha mãe. Morava distante e aparecia raramente onde vivíamos, congregava na principal Assembleia de Deus de Duque de Caxias de então. A famosa igreja do pastor Libório. Já era uma senhora e tocava um instrumento de sopro, talvez flauta ou clarinete. Nunca a vi em ação, mas era desde então apaixonada  pelo som que nem sabia distinguir, mas quando ela falava era especial e talvez desde aquela ocasião sonhasse em tocar um instrumento de sopro, o que só se concretizou uns 20 anos depois. Dela não tenho nada, a não ser a doce lembrança de uma mulher negra, com muitos filhos, alguns trabalhosos, como ela evidenciava nas conversas entre adultos que eu,  às vezes ouvia e talvez a expressão da sua maior alegria que era tanger seu instrumento louvando ao Mestre Jesus. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário