sexta-feira, 18 de outubro de 2019

A CHEGADA EM HUMAITÁ

Projeto Conhecer a Amazônia I

Texto 2

A escuridão da primeira noite de viagem de Porto Velho a Manaus confirmava a mudança de tempo. Ao longo do rio só se via o faixo de luz riscado pelo holofote do Vieira V, cujos operadores se revezavam frequentemente. A noite foi tomada por uma forte chuva  com vento e frio. Não teve quem não buscasse uma roupa  mais adequada à temperatura. 
Lá pelas tantas, um susto. O barco parou seus motores. Para aliviar a tensão    pensei que poderia ser por conta dos bancos de areia bem como a necessidade de manobras mais elaboradas. Mas no dia seguinte, soube-se por alto, que sempre que há uma tempestade um barco do porte do Vieira V precisa parar por medida de segurança, mas esta não foi a única explicação que ouvi, a outra versão é que devido a pouca profundidade do rio, um marinheiro vai a frente em um barco tipo voadeira palmilhando o rio, procurando águas mais profundas para não encalhar em bancos de areia. Explicação plausível e isso aconteceu em Calama, bem perto do início da nossa viagem. Todavia, menos mal. O pior já tinha passado, pelo menos até então. 


Balsa encalhada
O dia amanheceu preguiçoso, bom mesmo pra ficar na rede. Pouco depois das 6 horas um silvo que mais animava que incomodava anunciava o café da manhã. Tudo simples: café com leite e pão com margarina. O problema era o leite frio. O pior estava por vir, o balanço do barco nas águas barrentas do Madeira me presenteou com uma tontura daquelas, que só melhorou depois de uma medicação. 
Almoço servido às dez e meia, comidinha fresca e quentinha deixou todo mundo animado, tanto que por um bom tempo as redes foram deixadas de lado. 
Pouco antes de chegarmos a Humaitá, o primeiro porto, o comandante precisou dar uma desacelerada porque foi informado que uma   balsa estava sendo rebocada logo a frente, por ter encalhado na areia. Por falar em velocidade, fui informada que a velocidade média do barco no qual viajávamos oscila entre  14 e 22 km por hora, dependendo da situação do curso do rio. 
Até que paramos em Humaitá, um porto arrumadinho, com uma plataforma limpa e organizada. Chegar a primeira cidade também significa encontrar sinais de internet nestes percursos de rio. E ai é todo mundo no celular pra avisar em casa que está tudo bem. Pela BR-319, o trecho de Porto Velho a Humaitá é feito entre duas a três horas. O asfalto é conservado e rapidamente se chega à cidade. Vale salientar que de barco chegamos a Humaitá cerca de 20 horas depois de ter deixado a capital de Rondônia. Em torno de 17 ou 18 horas a mais de viagem. E por incrível que pareça teve passageiro para descer na cidade. 

Porto de Humaitá (AM)
Mas a parada é curta e de novo tudo volta a ser como antes, sem acesso a internet, sem redes sociais. A próxima parada será Manicoré, que dizem ser a terra dos bacurais. Será que são notívagos? 




sexta-feira, 4 de outubro de 2019

A PARTIDA DE PORTO VELHO

Projeto Conhecer a Amazônia I

Texto 1

Moradora de Porto Velho desde 1986, confesso que não conhecia muitas coisas da região, mas a aposentadoria me proporcionou realizar uma linda viagem por um pedacinho da Amazônia. Quero convidar você para percorrer comigo alguns lugares desta incrível região. 


Começamos nossa jornada no barranco do Rio Madeira, debaixo da ponte que atravessa o rio. Nem a palavra porto n
em cais designam o lugar improvisado para descarregamento e carregamento de cargas ou embarque ou desembarque de pessoas. Tábuas estreitas ligam a embarcação à terra e por elas atravessam homens fatigados e soados, levando sobre os ombros ou sobre a cabeça fardos e fardos de mercadorias. Eles não usam sequer um equipamento de proteção, nem ao menos uma cinta para proteger a coluna. Enquanto observo o  movimento fico imaginando as dores crônicas daqueles senhores, muitos ainda bem jovens. 
O dia do embarque foi assim: manhã e tarde de idas e vindas daqueles homens. Ora eram sacas de cebola, ora de fécula, ou caixas e mais caixas que não se podia identificar. No interior do ferrobolt já estavam alguns veículos, cujo destino era Manaus. Finalmente às 16 horas foi encerrado o carregamento, mas também pudera, não tinha lugar pra mais nada no barco e lá vamos nós. 





Se as cargas eram muitas, os passageiros, ao contrário eram poucos. Seres humanos com diferentes expectativas. Um bom exemplo? Um casal de missionários que estava em viagem para Óbidos, no Pará. A missão: cuidar de uma igreja com um pequeno rebanho. Nervosismo e ansiedade enchiam o coração do marido José e da esposa Juliana que estavam partindo para o primeiro trabalho de campo longe da família.
Vagner, um adolescente de 14 anos era outro passageiro. Nascido em Novo Aripuanã, no Amazonas, teve a primeira experiência em morar longe de casa, mas a aventura não completou um ano e teve que voltar. Em Porto Velho morou na zona sul onde morava com tios, estudava e trabalhava como aprendiz de pedreiro. Em casa, pensa em aperfeiçoar o ofício e se tornar um bom profissional. 
A noite chega para nós no meio do rio e com ela muitos pernilongos que invadem o barco, talvez chateados pela presença humana no lugar de repouso, Atenciosa, Juliana oferece repelente para uma passageira que se bate muito, incomodada pela presença dos monstrinhos. 
Um caldo de carne quentinho é servido a todos os passageiros e em seguida um cafezinho, também quente. De modo geral, a tripulação é muito atenciosa. 
Singrando as águas do Madeira prosseguimos caminho. Às19 horas já está muito escuro. Como há bastante lugar para prender as redes, alguns passageiros começam a mudar de lugar. Enquanto isso, lá fora, o farol começa a funcionar. A embarcação é um pouco rústica e o farol é manipulado por marinheiros, que se revezam na parte superior movimentando o farol para melhor direcionar o comandante do barco. Aqui ou acolá se avista alguma propriedade iluminada às margens do rio, mas na maior parte da noite só temos a lua e as estrelas, que também  saem de cena e deixa o negrume total da noite. No salão das redes algumas luzes já foram apagadas. Boa parte dos passageiros já se recolheram nas suas redes, outros conversam e algumas crianças brincam despreocupadas. 
No andar superior, onde funciona uma  lanchonete, a tevê transmite o noticiário para quem deseja manter-se atualizado. Mas são poucos os que se amontoam em frente à tevê. Depois vem a novela e ai o público aumenta. 
A noite trouxe consigo uma brisa, finalmente podemos esquecer a tarde calorenta, mas logo chega uma madrugada trazendo o frio. Hora de puxar uma cobertinha. 



E OS ESTIVADORES?
Voltando ao trabalho dos estivadores, são trabalhadores dignos de admiração. Eles parecem incansáveis, trabalham por uma diária minúscula. Suam de verdade, erguem  uma montanha de peso. Confesso que meus frágeis ombros já doiam só de vê-los em movimento. 
Quem se importa com eles? Homens que acomodam um enorme volume de peso sobre  cabeça, pescoço e coluna. Muitos atravessam o barranco até o barco com a cebeça completamente curvada, outros desaparecem entre as sacarias que os envolvem. Fico imaginando a situação deles ao final do dia. Será que sentem dor? E em alguns anos como será a saúde destes homens? Ai me vem a mente Brasília seus suntuosos gabinetes e outros escritórios Brasil afora onde são negociados milhares de reais em propinas e outros mimos.