Um plantão inesquecível
A princípio, aquele parecia ser
só mais um plantão. Mas ao chegar ao setor de trabalho percebi uma certa
tensão. A equipe que estava saindo estava preocupada e a que estava entrando
estava apreensiva. O motivo era um paciente de meia idade que fora levado à
clínica para um determinado procedimento, mas havia a suspeita de que ele fosse
um dos primeiros infectados pelo Covid-19 a
dar entrada no hospital. Intimamente pedi a Deus proteção para todos nós
e a cura para o paciente.
A verdade é que a enfermidade se
instala primeiro na mente. Plantão de correria, pacientes graves e precisando
da nossa atenção, medica um, socorre o outro e assim foram as primeiras horas.
Mas lá no fundo do coração estava a preocupação: vou ser infectada pelo
Coronavírus? Afinal, todos hão de convir que nossa preocupação fazia todo
sentido. Todos os dias recebíamos notícias sobre a morte de profissionais da
saúde, homens e mulheres jovens e cheios de sonhos, alguns estavam entubados nas UTIs.
Triste mesmo, porque nem um funeral honroso se pode ter nestes tempos.
Os dias se passaram e a doença,
segundo médicos, pode levar até sete ou oito dias para se manifestar. E passado
este período comecei a sentir todos os sintomas. Tentava me convencer: é só uma
gripe, vou sarar logo. E os plantões continuavam. Até que não aguentei mais.
Entreguei os pontos e adoeci de verdade. Passei um dia com o celular na mão ligando para todos
os números disponíveis e parecia mais fácil falar com a rainha da Inglaterra,
com todo o respeito que ela merece, do que com os atendentes dos telefones
listados pelos governos. Até que consegui um “alô” do outro lado da linha.
Contei minha estória, os sintomas e tudo que ouvi foi um “fique em casa, ligue
novamente se sentir falta de ar”. Senti um misto de decepção, desânimo e
desespero. Mas fazer o quê, além de recorrer ao Todo Poderoso Deus dos Céus e
Senhor dos senhores.
A noite foi das piores. Cansaço,
angustia e sem saber o que fazer. No dia seguinte fui informada que não
adiantava buscar socorro no pronto atendimento, sem antes ser ouvida pelo
serviço de encaminhamento, que após alguns procedimentos me mandaria para alguma unidade de saúde Então teria que fazer a mesma via crucis do dia anterior. Isso para ser vista por um
médico. A bem da verdade, eu já tinha a solicitação de um médico para o teste
do coronavírus, mas não consegui fazê-lo, a não ser que eu fosse em busca de um
atendimento particular, mas ai já era demais. Tudo indicava que eu tinha sido
infectada no ambiente de trabalho, ou seja: dentro do hospital e ainda teria
que pagar pelo exame? Pior de tudo é que eu não dispunha do recurso e por
incrível que pareça, não fosse a solidariedade de alguns amigos não teria feito
o teste, que deu a sentença: POSITIVO.
Mas Deus é realmente
extraordinário e a aflição das primeiras horas foram substituídas pela
esperança trazida por dezenas de pessoas que ligavam, enviavam mensagens e
diziam: “estamos em oração por você”.
Veio o isolamento. Que sensação
triste e dolorosa saber que ninguém pode ir vê-lo e você não pode sair para ver
ninguém. Em casa só eu e o marido. Ele também apresentava sintomas, mas não
conseguimos o teste. Tomamos as precauções recomendadas, mas permanecemos em
convivência em casa. A doença estacionou e aos poucos foi regredindo, já não
sentia mais o desconforto dos primeiros dias. O que doía mesmo era a solidão,
apesar de sermos dois em casa. Às vezes ficava imaginando como se sentiam
aquelas pessoas contaminadas pela lepra que a bíblia tão bem relata. Viver
separado por opção é uma coisa, mas por obrigação é bem diferente.
Enquanto me recupero, não me
canso de agradecer a Deus pela sua ação. Sei que muitos profissionais de saúde
estão passando por uma situação muito difícil e alguns sem esperança, entre
eles colegas de trabalho. Não sei se este vírus foi fabricado em laboratório,
mas sei que quando Deus age o homem cai por terra. Ainda não estou cem por
cento recuperada, mas creio que isso é uma questão de dias.
Não vejo a hora de
receber meus filhos e netos em casa, abraçá-los bem apertado e sussurrar em
seus ouvidos um “eu te amo” bem pausado.
De abraçar os meus amigos e agradecer olhando nos seus olhos. Aprendi
muito com o Covid-19 e quero ser uma pessoa melhor, muito melhor mesmo. Quanto
àquele paciente, nunca fiquei sabendo se ele estava mesmo infectado, mas tudo
indica que sim. Espero que ele tenha se recuperado. (Crônica baseada nos
relatos de um paciente infectado pelo Coronavírus-19).